V.H.M.- Este livro é narrado por uma menina. Toda a história é contada no feminino por uma criança que vai dos 11 aos 14 anos. Esta criança a Halldora perde a sua irmã gémea e todo o texto é um modo de pensar acerca da solidão, ou seja, do estar longe, viver num sítio recôndito como são os fiordes islandeses e além de estar longe estar substancialmente só. Ajudou-me no fundo a pensar no que é uma espécie de espiritualização do lugar e de ter a própria natureza como companhia, digamos assim.
Raquel- Disse numa entrevista que uma das explicações dadas para a escolha deste título foi pelo facto de termos que nos tornar mais desumanos para sobreviver. No entanto ainda recentemente foi noticiado que ajudou um casal. Ou seja afinal acha que temos mesmo que nos “desapegar” e pensar mais em nós ou ainda acredita na bondade humana?
V.H.M.- O que eu dizia é que infelizmente a resistência perante o mundo implica que nós desçamos as nossas sensibilidades, ou seja, a pessoa demasiadamente sensível não consegue nem ser feliz, nem sobreviver muito tempo e então frustantemente todos nós somos obrigados a robustecer-nos, a sermos menos sensíveis para conseguirmos de alguma forma enfrentar a vida tal como ela é, com as suas dificuldades, a sua violência e isso é uma das frustrações que eu encontro para a humanidade que tem que ver com os nós sabermos muito bem como poderíamos ser melhores mas não sermos capazes de chegar aí porque a vida simplesmente não deixa. Todo o sistema, como está montado e tudo para o que a vida nos prepara propende para um certo sofrimento, um esforço contínuo… A felicidade nunca é senão uma coisa passageira, e a tristeza ajuda-nos muitas vezes a resolver problemas nossos. A tristeza contínua não é humana é uma desumanidade.
R.- O romance passa-se na Islândia. Porquê a escolha deste país? O que o liga a um país tão distante de Portugal? Porque não África, onde tem as suas raízes?
V.H.M.- Eu quis muito falar na Islândia porque o país tem essa dimensão agreste quase abusiva para se lá ficar. Eu imagino que as primeiras pessoas quando descobriram a Islândia no século X, devem ter tido problemas mentais quando olharam para aquele gelo e disseram “Isto é interessante! É bonito! Vou ficar a viver aqui.” A viver como? Porquê? Viver num sítio tão inóspito. E ao fim de uns séculos a sociedade islandesa, enfrentando sempre esse desafio da intempérie, do frio e do longe, é muito cívica e educada. E eu quis perceber como é que estas pessoas que vivem num local tão baldio, como é que esta gente se disciplinou desta forma. Eu admiro-os muito.
R.- Foi galardoado várias vezes, com vários prémios. Entre eles, o Prémio Almeida Garret em 1999, Prémio Literário José Saramago da Fundação Círculo de Leitores em 2007 e, mais recentemente, o Prémio Portugal Telecom de Literatura Portuguesa, 2012. Todos eles são importantes e reconhecedores do seu trabalho, mas permita-me que destaque o Prémio Literário José Saramago. O que sentiu quando foi reconhecido com o Prémio que tem o nome do escritor português que foi galardoado com o Prémio Nobel da Literatura?
V.H.M.- Fiquei muito honrado também porque o José Saramago era uma pessoa que eu admirava muito pela sua atitude de incómodo permanente. Era um homem que se incomodava permanentemente com as questões do quotidiano, da nossa sociedade, da nossa política e eu admiro muito isso. Admiro muito as pessoas que têm a coragem de ter uma opinião, de pensar de boa-fé e honestamente sobre os assuntos. Acho que o pior que podemos ter é gente boa calada porque os maus refilam sempre e gente boa calada é como se não servisse para nada. Tive muito orgulho em ganhar o prémio Saramago e poder conhecê-lo um pouco melhor e perceber que toda a obra dele foi uma proposta de boa-fé para que pensemos melhor em sociedade.
R.- Falando em Saramago, quais são os autores que o influenciam?
V.H.M.- Eu li e admiro muito Kafka, por exemplo, mas também li muita poesia. Aliás a poesia é a minha grande biblioteca e então os meus autores foram sempre o Herberto Helder, o Luis Miguel Nava, o Al Berto, a Adília Lopes, Sharon Olds, Walt Whitman, uma quantidade enorme de gente. Mas a maior parte das minhas influências vieram da poesia mas também vêm muito das artes plásticas e da música. Sou muito ligado, por exemplo, à música e à pintura e às vezes aquilo que escrevo tem mais que ver com quadros que vi ou com pintores que admiro muito ou com músicos como a Billie Holiday que é uma intérprete que eu adoro. E às vezes acho que aquilo que escrevo tenta-se aproximar daquilo que eu sinto ou pressinto nas artes paralelas que não propriamente a literatura.
R.- O Valter é escritor, artista plástico, cantor, baterista, dj entre outros. Se tivesse que escolher apenas uma arte. Seria a escrita a escolhida?
V.H.M.- Sim, eu sou escritor. Todo o resto faço porque posso fazer, me apetece ou porque gosto. Mas é uma tentativa, uma experiência, não é algo que eu faça profissionalmente. Não é algo que eu proponha às pessoas para levarem demasiado a sério, é uma experiência.
R.- Para terminar tem já algum romance em vista para breve? Ou alguma obra de poesia?
V.H.M.- Estou a começar neste momento uma história nova, por isso ainda estou a fase de uns pequenos apontamentos, de escolher alguns personagens e por isso ainda estou a olhar para as pessoas, a ver se faço um casting. Estou a fazer um casting. Às vezes conheço pessoas que me inspiram, figuras engraçadas, estou nessa fase. Ainda não tenho nada de muito concreto mas estou a deixar-me seduzir por alguma coisa…